Era 17:00 horas daquele domingo ainda ensolarado, e tudo já havia terminado.
Eu percebi a satisfação dos líderes presentes ali no evento, os mais entusiasmados eram os organizadores.
Na saída alguns líderes comunitários formaram uma rodinha, tocavam violão e cantarolavam alegremente.
Se não fosse o drama que eu tinha vivido naquela madrugada macabra, eu diria que tudo estaria muito bem, afinal, havíamos debatidos vários assuntos relacionados à nossa luta social, e estabelecido várias estratégias que mais a frente, colocaríamos em prática.
De fato, meses após aquele evento, era o que se sucedera de forma coletiva no movimento, e de forma individualizada por nossa comunidade que seguia firme durante a minha gestão, na luta permanente em busca de uma vitória final..
Mas, eu estava acuado no meu foro intimo, tinha sido vitima de um atentado traiçoeiro. Eles tinham me injetado alguma coisa com o intuito de provocarem a minha morte através de uma parada cardíaca, e, foi essa a conclusão que encontrei há alguns meses após aquele ato criminoso.
Aquilo ali funcionou como uma Ditadura Canônica, algo semelhante as obrigações da Opus Dei.
Diferente do que muitos líderes ali imaginavam, aquele que tivesse a ousadia de se lançar candidato a vereador, ou simplesmente comenta-se minimamente esta possibilidade, fatalmente seria o alvo dessa ação inquisitória.
Na verdade, aquilo ali era um jogo político de cartas marcadas, que no pressuposto de uma discussão democrática, era algo parecido ao stalinismo, porém, com a carapuça teológica.
Eu tinha sido apunhalado pelas costa por conta de um embate político eleitoral estabelecido ali naquela ante-sala do tempo.
Eu jamais poderia ter imaginado a amplitude daquela luta eleitoral, e, do qual eu desconhecia que estava deflagrada.
Até aquele momento eu sequer havia cogitado a minha participação em qualquer processo eleitoral de forma direta enquanto candidato.
Na verdade, a minha filiação dentro do PMDB não cogitava esse objetivo, e o partido pra mim era apenas um abrigo temporário, fato este concretizado logo após a minha militância política no PCB, ainda naquele ano de 1989.
Como marxista-leninista, meus objetivos políticos se limitavam apenas aos avanços sociais que era a “causa” maior de minha participação naquele que foi o navio-capitânia dos movimentos sociais ainda no período da ditadura.
Não entrava na minha cabeça que aquela ONG composta por pseudo-s religiosos e militantes ocasionais, abrigava na verdade um grupo de pessoas envolvidas em falcatruas políticas, que sob um tema social, se utilizou do dinheiro público para projetos eleitorais privados, de teor e conotação criminosa, como o atentado que cometeram contra a minha vida.
Eles agiram com um “fanatismo” eleitoral desmedido, ao ponto de cometerem um atentado político sem olhar a quem, justamente contra um integrante dos movimentos populares do qual posavam de representantes.
Eu não teria que acreditar em outro motivo, e entendo que, mesmo nas adversidades políticas e na pluralidade ideológica, o princípio da democracia deve prevalecer, e os direitos humanos respeitados, o que não foi o caso da minha participação junto aquele coletivo literalmente manipulado pela “Teologia da Mentira”.
Eu me despedi daqueles líderes comunitários que estavam próximos de mim, e me dirigi até o ponto do ônibus.
Eu também estava com uma vontade enorme de chorar, e, sinceramente, mesmo tendo sido um elemento capacitado, eu não cogitei em reagir à altura daquilo que tinha sido vítima.
Eu pensava comigo, eu ainda estou vivo, estou respirando, e, essas fisgadas, e, essas queimaduras por dentro de meu corpo ainda vão passar. E, eu vou sair dessa mais uma vez. Eu sei que tentaram me matar, mas eu vou sair dessa, eu ainda vou viver para contar essa história.
Eu pensava, sei que tenho capacidade de reagir, mas eu não tenho certeza quem cometeu o atentado. Eu sei que foram os integrantes da ONG, mas não sei quem foi o autor?
Eu já havia escapado de um atentado no ano de 1973 quando ainda estava no exército. Eu também tinha sofrido um atentado no ano de 1975 na Rua Orfanatrófio, bairro Alto Teresópolis em Porto Alegre, e tive sorte porque não estava dentro do barraco que haviam metralhado.
Este comentário eu enviei há alguns anos atrás para o endereço eletrônico do site da ONG Brasil Tortura Nunca Mais com sede no Rio de Janeiro. Na época, eu não recebi nenhum comentário de retorno e deixei por isso mesmo.
E, também não é difícil de comprovação, basta os “interessados” levantarem a lebre na 2ª Auditoria Militar em Porto Alegre, local onde tramitou o meu processo militar por crime de deserção ainda no ano de 1974.
Eu peguei o ônibus em direção a Florianópolis, estava ansioso pra chegar a minha casa, tomar um banho e me examinar para ver em que parte do corpo eu havia sofrido aquela agulhada. E, foi o que fiz, sem comentar nada pra minha ex-companheira que havia ido buscar em Porto Alegre.
Na verdade, ela era aquela menina que tinha se asilado comigo no ano de 1982 na embaixada da França. Ela ainda vive até os dias de hoje na comunidade de Areias do Campeche, com os meus filhos Samuel e Michelle, que ali cresceram, e que me proporcionaram netos.
Eu pensava comigo, eu preciso ficar vivo, quero ver os meus filhos crescerem, eu também pretendo ver a minha comunidade sair vitoriosa nessa luta por justiça social, eu vou vencer.
Isso me atormentava todos os dias e, eu olhava pra minha ex-mulher que vivia comigo na mesma casa, enquanto construíamos a dela, e pensava, se eu ficar pelo caminho, você vai cuidar dos nossos filhos, eles ainda eram crianças, aliás, todos os meus quatro filhos, ainda eram crianças.
Além disso, a minha atual companheira estava grávida da minha ultima filha, mesmo ela estando morando provisoriamente em outra casa.
No outro dia pela manhã eu chamei o meu vice-presidente da Associação, e comentei com ele o atentado do qual tinha sido vítima. Ele ficou assustado com o meu comentário, e disse-me que por essas e outras é que não gostava de dormir junto a estranhos. E ele tinha toda a razão, eu tinha sido vítima nesta condição.
Eu ainda continuava com o meu coração periodicamente acelerando, em alguns momentos ficava normal e a seguir continuava disparando, era como uma taquicardia.
Eu também sentia aquelas fisgadas por dentro das veias que latejavam como se tivesse algum medicamento ou droga química agindo no seu interior.
Eu comecei a ficar extremamente preocupado, andava de um lado para outro quase sem rumo, e sem demonstrar para as pessoas que estavam por perto, a agonia que estava vivendo.
Eu ficava pensando continuamente o que eu faria para resolver aquela situação, às vezes eu sentia que poderia morrer a qualquer momento.
Eu conversei mais uma vez com o meu vice-presidente do Sindicato dos Artesãos e da Associação dos Moradores sobre o assunto, e decidi procurar ajuda. Eu pensava comigo, é melhor agir assim, do que sofrer calado.
No outro dia eu fui ao centro da cidade e registrei um boletim de ocorrência sobre o acontecido. O policial de plantão me escutou atentamente, e foi registrando aquilo que entendeu como um ato de contaminação por objeto pontiagudo, na verdade uma tentativa de homicídio com aquele instrumento.
A seguir me deu uma cópia (que tenho guardada até hoje) e me orientou dizendo que o delegado daquele distrito policial iria proceder a uma investigação.
No outro dia eu fui trabalhar na feira de artesanato da Praça XV de Novembro, no centro da cidade. Após o meio dia, eu decidi colocar o assunto para o conhecimento público. Fui caminhando até a sede do jornal A Noticias e lá chegando relatei o acontecido para o meu amigo e jornalista Edson Rosa que me escutou atentamente.
Ele ficou meio assustado com meus comentários, e eu havia percebido que ele tinha ficado relutante em fazer aquela publicação, então eu disse pra ele, se você não quiser publicar, tudo bem, mas se decidir esteja à vontade.
A seguir me despedi daquele que considero um excelente jornalista, aliás, um grande parceiro das lutas sociais. O Edson Rosa (atualmente no Diário Catarinense) não publicou aquele acontecimento, e eu respeitei a sua decisão.
Ainda no mesmo dia eu fui até o Palácio Barriga Verde (sede do governo estadual), entrei na recepção, cumprimentei o responsável que já conhecia há algum tempo e perguntei se o Sub-Chefe da Casa Civil já havia chegado ali, e, ele me respondeu que sim.
Eu precisava criar uma espécie de cordão político de proteção para impedir que praticassem outro atentado contra a minha vida.
Eu subi as escadas, bati na porta e pedi licença falando: Bom dia Deputado, eu preciso conversar com o senhor, e ele respondeu: Pois não, sente ai nesta cadeira.
O ex-Deputado Murilo Canto era o Sub-Chefe da Casa Civil do governo do estado na gestão de Pedro Ivo Campos/Cassildo Maldaner.
O Murilo Canto era praticamente a nossa chave de entrada no palácio do governo estadual, pela sua condição de Sub-Chefe da Casa Civil. Todas as demandas políticas, ou de convênios, que tínhamos com o governo, eu encaminhava por ele. Foi assim também com as ajudas financeiras para a manutenção da nossa Associação dos Moradores através do BESC Clube.
Eu contei pra ele o ocorrido, que escutou atentamente, e, ele ficou intrigado com o acontecimento, e, a seguir sugeriu-me que eu procurasse um médico para fazer alguns exames de sangue.
Ele ficou assustado com o que eu acabara de relatar e exclamou: O PT já está agindo assim? Porque fizeram isso?
Eu falei pra ele que, naquele momento eu não teria condições de pagar algum exame específico. Ele perguntou o que eu precisava, e que me ajudaria no que fosse necessário. Fez um cheque de sua conta pessoal e me entregou, a seguir pegou o telefone e ligou para a Secretaria da Saúde do Estado avisando que eu passaria lá para pegar um encaminhamento para atendimento no Hospital Nereu Ramos.
Bem, foi o que fiz, porém, no dia da consulta, que foi marcada para o outro dia, eu fui caminhando em direção ao hospital e fiquei pensando, O GAPA (Grupo de Apoio aos Portadores de Aids) ficava separado apenas por uma parede no mesmo prédio que está localizado o CAPROM, na verdade no mesmo prédio do antigo Departamento Estadual de Saúde Pública, ali na Rua Felipe Schimidt no centro da capital, que estava cedido para as duas ONGs de forma filantrópica.
Eu pensava, se eu fizer o exame ali independente dos resultados, mais hoje mais amanhã a ONG CAPROM vai ficar sabendo que eu fiz aqueles exames e poderá deduzir que eu esteja desconfiado do atentado que tinha sofrido lá no encontro da Escola Rural da Cidade de Palhoça, na verdade, terra natal da Ivone Perassa que nasceu na Guarda do Embaú.
Eu cheguei à porta do hospital, entrei, olhei para o balcão, me aproximei da atendente que me perguntou: o que o Senhor deseja? Eu respondi, desculpe, eu me esqueci do papel, vou ali buscar e já volto. Não retornei, fui até o ponto do ônibus e me dirigi novamente à comunidade.
Fiquei com aquilo na minha cabeça por uma semana, até que decidi ir a São Paulo e fazer os exames num laboratório particular. Eu paguei muito caro por aqueles exames, mas eu tinha recebido a ajuda pessoal do então Sub-Chefe da Casa Civil, o ex Deputado Murilo Canto.
Eu levei quase quatro meses para ir buscar o resultado, mas eu tinha a certeza que iria dar negativo.
O meu coração ainda disparava periodicamente, aquelas fisgadas por dentro das minhas veias, e aquela dor cansada que sentia nas juntas, ficaram em meu corpo por uns sete ou oito meses, nos primeiros dois meses era contínuo, mas nos meses seguintes eu sentia aquilo de forma mais espaçada, e com o passar do tempo, misteriosamente foram desaparecendo.
Eu ainda continuava com uma pequena dúvida em relação ao teste HIV que havia feito em São Paulo, e que na verdade, era uma doença que naquele período assustava toda a sociedade. Esse vírus tinha sido recentemente descoberto no Brasil, e se eu não estiver enganado, foi no ano de 1983, e eu precisava tirar aquela ínfima dúvida da minha cabeça.
Bem, eu retornei a São Paulo e fiz o teste novamente, e não deu outra, o resultado me tranqüilizou, eu não era portador do vírus.
Eu tenho um relacionamento familiar até os dias de hoje com a mesma companheira, e não poderia colocar a minha família em risco, além disso, a minha companheira estava grávida, esperava uma menina que graças a deus, nasceu, e vive com plena saúde.
Até os dias de hoje eu fico pensando, o meu organismo resistiu a algum tipo de droga que eles tinham injetado para me matar de uma parada cardíaca. Eu acredito que a dose tenha sido muito pequena pelo fato de eu ter me acordado naquele momento macabro.
O meu organismo reagiu ao longo dos meses, e, acredito, foi criando anticorpos para me manter vivo...
Aquela droga que me injetaram, para acabar com a minha vida, foi fragorosamente derrotada pela própria vida.
Qual o sentido da vida, se não a própria vida?
Mesmo após ter sofrido aquele atentado, eu ainda buscava contato com os integrantes da ONG, afinal, eu precisava ter eles por perto para fortalecer a minha própria defesa, eu sempre soube isso desde o tempo que estive no exercito, eu passei a ficar mais “antenado” do que nunca (sic).
Os meses seguintes que antecediam as eleições presidenciais foram de intensas atividades políticas nos movimentos populares, tanto sindicais, como no campo e nas cidades, aqui no estado de Santa Catarina e no restante do Brasil.
O MST acirrava as estratégias de luta ampliando as ocupações de terras pelo Brasil afora, aqui em Santa Catariana as ações batiam de frente com o momento político, incluindo ai, a ocupação de órgãos públicos que estava surtindo resultados.
E, ainda dentro do movimento dos Sem Teto, na semana subseqüente ao atentado que eu havia sofrido, e que de jeito nenhum eu demonstrava ter percebido, eu preparava a lista dos moradores da nossa comunidade, que iriam invadir a prefeitura de Florianópolis.
Na ocupação seria um grupo de dez pessoas por comunidade participante do movimento, que simbolizava exatamente o número 13 de treze comunidades que compunham o movimento dos Sem Teto, ou seja, o número do PT que totalizaria 130 pessoas reunidas para a ocupação. Coincidência ou planejamento?
É obvio que era planejamento!
... Bem, um dia antes da invasão da prefeitura, na verdade numa segunda e ultima reunião que faríamos no interior da Catedral Metropolitana, eu decidi não comparecer, até porque, sinceramente, eu não conseguia olhar de frente para os dirigentes da ONG. Não conseguiria olhar para a Ivone Perassa, e muito menos para o Padre Wilson Groh, afinal, foram eles que programaram aquele evento na escola Rural da cidade de Palhoça...
Eu sentia um ódio mortal daquele acontecimento, e sabia que não poderia ficar alimentando aquilo no meu gene mental. Eu também sabia que aquela ocupação poderia mudar os rumos dos acontecimentos em ralação a questão litigiosa que estávamos vivendo, pelo menos essa era a minha expectativa, por isso eu ainda continuava relutante em abandonar aquele coletivo antes daquela ação.
Na verdade, aquela ação seria a ultima participação da nossa comunidade junto ao movimento dos Sem Teto, que era controlado pela ONG CAPROM e, pelo chamado PT igreja representados pela “Teologia da Mentira”.
Afinal, como dizem em Porto Alegre, popularmente falando, “eu não sou mulher de Brigadiano” (mulher que gosta de apanhar de marido Policial Militar).
...Na noite que antecedia a invasão, eu reuni a diretoria e convocamos uma lista de moradores, na verdade aqueles que estavam mais em sintonia com os acontecimentos e participavam assiduamente de nossas reuniões.
Nosso objetivo era discutir internamente os detalhes finais e preparar a invasão que faríamos no dia seguinte com as demais comunidades integrantes do Movimento dos Sem Teto...