sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Atentado político...



           Eu havia me deitado para dormir por volta das 00:30 hs. (meia noite e meia).

      Deram-me uma espetada com uma agulha, e eu sabia que tinha sido isso, porém não tinha conseguido identificar o local exato.



 Eu senti que tinham mexido em meu corpo. 




       Os meus olhos estavam pesados, como se eu não conseguisse me manter acordado. Na verdade, tinha sido ali naquele momento. Meu corpo tremeu, eu senti um calor muito forte por dentro de minhas veias. Eu havia acordado, e alguma coisa me dizia que eu deveria fingir estar dormindo. Minha experiência passada fez com que mantivesse os olhos fechados por alguns segundos.

      Eu percebi que a luzes do quarto não estavam acesas, num primeiro momento, eu quase sentei na cama por um impulso, mesmo assim eu me mantive na mesma posição que me fez acordar.

      Eu senti um forte calor e uma espécie de coceira nas panturrilhas das duas pernas, aquilo ali não era normal.

Meu coração ficou acelerado, e, foi acelerando mais, algo semelhante a uma taquicardia.

    Eu comecei a abrir os olhos lentamente e os mantive quase que completamente fechados, o suficiente para observar o vulto semelhante o de uma mulher bem próxima de mim e levemente agachada.

    Na porta do quarto havia mais duas pessoas que também estavam saindo agachadas, elas desapareceram no corredor. Eu estava com muito sono, acredito que eu tenha dormido até aquele momento pouco mais de uma hora.

      Eu realmente estava cansado e fazia um esforço descomunal para me manter acordado. Eu estava dormindo na parte debaixo do beliche. Na parte superior dormia o João que era o líder da comunidade do Jardim Ilha Continente.

       Eu comecei a pensar o que estavam tentando fazer comigo? Queriam me matar, e por quê?

      Naquele momento a minha vida passou como uma fita de cinema, muito rapidamente. Lembrei-me do sofrimento que havia passado quando ainda era menino. Eu me tinha lembrado que quando tinha 12 anos havia sido batizado por um padre.

      O meu padrinho era o Padre S.J. Armando Marocco, ele tinha uns 50 anos, e era de descendência italiana.

      O meu padrinho foi transferido para o Canadá. Eu havia recebido dele uma carta e um bonito postal da cidade Montreal, Província de Quebec, e outro da diocese do bairro de Qué, na mesma cidade.

      O padre Armando Marocco era poliglota, e eu me lembro que ele falava muito bem o italiano, inglês, espanhol, francês e o latim, até porque ele costumava falar da importância de se falar outros idiomas, inclusive ele nos incentivava muito a estudarmos para um dia sermos pessoas de bem...

      Eu nunca mais soube noticias dele. Na verdade tínhamos sido batizados num grupo de uns 8 meninos, e ele era o padrinho de todos nós.

      Eu pensei, porque estava me lembrando dele ali naquele momento? Seria um pedido ou um aviso de socorro? Eu sou muito duro de acreditar nessas “bobices” (sic).

Eu não conseguia aceitar que alguém ali tentara me matar.

      Em segundos a minha vida passou como um relâmpago pela minha cabeça, e lembrei-me da luta desigual que estávamos fazendo contra o poder econômico e político da cidade.

      Na verdade nossa luta era contra essa situação, e não adianta quererem desvirtuar para outro caminho.
     
      Em síntese, as lutas urbanas e do campo são travadas contra essas forças.

      Após cerca de uns dois minutos acordado, mas de olhos quase fechados, eu vi que tinham se afastado completamente de mim. Eu fiquei com vontade de me levantar, mas preferi ficar como estava.

      Aquela coceira tipo uma queimação nas panturrilhas (batata das pernas) me incomodava, e eu comecei a passar as mãos coçando o local. Aquilo ali diminuiu, mas o meu coração continuava acelerado. Enfim, não resisti, e peguei no sono.


      Já era umas 07:00 hs, e eu acordei, olhei para os lados e não vi ninguém ali no quarto, todos que dormiram ali já tinham feito a sua higiene pessoal e estavam terminando de tomarem café.

      Após sair do banheiro e me dirigi ao refeitório, às mesas estavam quase vazias e o pessoal estava conversando informalmente esperando o inicio das atividades. Bem, eu tinha vários amigos ali, então porque não me chamaram?

      Aquela atitude ali virou uma incógnita na minha cabeça. Eu fiquei incomodado com aquela situação. Alguém ali pediu para não me acordarem.

       Até aquele momento eu era considerado um elo importante na aglutinação das comunidades.
Eu era uma referencia no princípio de tudo, e eu não entendi aquele ato de não me acordarem.

      Além disso, aquele atentado que tinham cometido contra a minha vida me atormentava a cabeça, eu dissimulava de todas as formas como se não tivesse percebido o que tinham feito comigo naquela madrugada macabra.
Eu pensava comigo, eu vou me safar mais uma vez...
E eu continuava pensando, alguém ali tentou me matar injetando alguma coisa em meu corpo, mas eu vou sobreviver.

      Houve alguns momentos que pensei, será que me contaminaram com algum tipo de vírus? 



      Eu pensei em todas as possibilidades, e a contaminação por HIV eu descartei imediatamente, mas não tinha essa convicção em 100%.

      Eu também imaginava que aquele atentado tinha o objetivo de me provocar a morte. Imaginava que, quem cometeu o atentado estava pretendendo unicamente me atingir.

      Não seriam capazes de tamanha loucura porque sabiam que eu tinha família. A minha vida sempre foi socialmente transparente. A ONG sabia que eu tinha filhos, eles estavam bem informados porque se relacionavam com pessoas que me conheciam há muitos anos.

      Eles sabiam que eu tinha 4 filhos e minha atual companheira esperava uma menina que hoje está 21 anos. Eu tenho o Junior e a Christiane do primeiro casamento, o Samuel e a Michelle do segundo, e a Munique do terceiro, embora não estivessem todos comigo.

     Enfim, eles não seriam capazes, com essa forma hedionda ao cometerem aquele atentado, e de envolver minha família naquela ação.

Eu tomei café quase que solitário na mesa, havia várias pessoas no refeitório, mas todos já tinham tomado o seu café.
Cerca de 20 minutos após, iniciou as atividades.

      Na sala a frente do refeitório, havia uma lousa e um teólogo que se apresentou dizendo ser de São Paulo e que estava ali contribuindo para o evento.

      Ele iniciou dando uma aula sobre a estrutura fundiária do Brasil. Falou sobre o período das monoculturas, do ciclo do café, das capitanias hereditárias, da luta pela terra citando a revolta de Canudos e outros eventos históricos.

      Eu escrevia rapidamente para poder passar aos integrantes da comunidade. Naquele momento, mesmo tendo sofrido aquele atentado, eu não comentei com ninguém ali presente. Comportei-me como se nada tivesse acontecido.

      Mesmo assim eu sutilmente observava que estavam me olhando com certa discrição. Era a Ivone, o tal professor e alguns membros da ONG. Eu fingia não notar e às vezes me levantava e ia à janela acender um cigarro.

      Não havia motivos para todos me olharem, mas acredito que algum assunto comentado entre eles tivesse trazido aquele comportamento, talvez alguma coisa banal com o objetivo de criar uma observação na minha pessoa.

      Eu procurei não demonstrar surpresa alguma e muito menos o de me sentir desconfortável com aqueles olhares sutis.

      Depois de mais de uma hora e meia de “aula” houve uma pausa para um cafezinho e a seguir tudo reiniciou no ponto de parada.

      Naquele momento o meu coração estava bastante acelerado, e eu comecei a sentir umas fisgadas nas veias dos braços, nas juntas dos joelhos.

      Eu sentia uma fraqueza repentina, na verdade uma espécie de cansaço nas juntas do corpo inteiro.

      Eu estava com 35 anos, e havia levado uma vida bastante saudável até aquele momento. Eu nunca tinha adoecido, e também nunca tinha sentido nada parecido com aquilo ali.

      O tempo foi passando até que paramos para o almoço. Eu deixei as minhas anotações em cima da carteira, fui até a lousa, peguei um giz e escrevi:
“Tornei-me um cadáver ambulante porque não fui compreendido, busco paz e justiça social, estou com Deus!”

      Após escrever isso, fui ao banheiro e retornei ao tempo de ver a Elaine anotar numa folha de papel o que eu acabara de escrever. Discretamente eu pude observar que ela mostrava pra outros integrantes da ONG CAPROM.

      Aqueles escritos ficaram ali até o inicio das atividades logo após o descanso de cerca de uma hora após o almoço.

      Quando reiniciamos as atividades da tarde, logo após uma explanação sobre a reforma urbana, eu vi que os meus papeis estavam em outra posição.

      Até os dias de hoje eu tenho a convicção de que aquela encenação junto aos demais Ongueiros, de revirarem os papéis que eu estava escrevendo, tinha o único objetivo de criar um fato que justificasse qualquer desconfiança de minha parte no sentido de que eu estivesse agindo de forma errada, ou coisa parecida.

      Na verdade eles precisavam criar um fato qualquer para dissimular o acontecimento daquele evento macabro. Tentaram me confundir ao me tratarem quase como VIP logo após o atentado.

      Eu notei a atenção que a Ivone me dava diante dos outros integrantes do movimento, ela passava a imagem de que estava tudo normal, mas não estava...

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