Antiga sede da Prefeitura de Florianópolis (Foto: Mauro Vaz)
Conforme
havíamos combinado no dia anterior, nossa comunidade acordou bem cedo,
principalmente aqueles que iriam participar da ocupação da prefeitura da
cidade.
Estávamos todos ansiosos para aquele
acontecimento que, em síntese, poderia mudar os rumos dos acontecimentos, ate
então, nefastos em nosso dia a dia.
Eu havia me preparado para aquele ato
político importante pra todos nos. Na tarde que antecedia a invasão eu fui ate
uma barbearia no centro da cidade e cortei os meus cabelos. Na verdade, eu era
um artesão hippie e usava os cabelos compridos e encaracolados abaixo dos
ombros, e por vezes, a barba acentuada ou bigode.
Um problema que eu sempre enfrentava
diante dessa condição, era o fato de poder pegar “piolhos” pelos lugares que eu
frequentava, e confesso, eu tinha adquirido algumas lêndeas na minha cabeça.
Não
se trata de querer demonstrar que ser pobre ou, simplesmente morar em situação paupérrima
seria sinônimo de falta de higiene, mas sim, de falta de saneamento básico, água encanada, chuveiros,
fossas, banheiros, ou seja, em condições quase sub-humanas.
Naqueles dias, muitas comunidades recém-formadas
tinham esta precariedade extremada, e ainda sofriam com a ausência e
discriminação do poder publico, que de fato, unicamente pensava e reprimir e
combater as comunidades de baixa renda formada na sua grande maioria por
migrantes do interior do estado e de outras partes do Brasil.
O município agia como se fossemos
verdadeiros alienígenas ou forasteiros, como se não tivéssemos direito a
moradia digna e uma vida neste sentido.
Na verdade, na nossa comunidade, e
principalmente em casa, nossa condição de higiene era limitada a banhos de
canecos e bacias, sendo que a água eu retirava com bomba manual do poço que
tínhamos no meu quintal, e foi o que fiz, raspei o meu cabelo num corte bastante
baixo, estilo moderno daquela época. Senti-me um pouco estranho com aquele novo
modo, mas enfim...
Como íamos conviver com mais de uma
centena de pessoas durante dias ate então indeterminados, não tínhamos alternativa,
e eu vesti a minha melhor roupa, e preparei outras para uma possível troca.
Essa tinha sido a postura que considerei mínima para aquele ato político.
Na verdade, eu também tinha passado
algumas dicas neste sentido para outros moradores. Bem, não que fossemos uns
relaxados (sic), mas na verdade, era pelo fato de passarmos a conviver de forma
improvisada, e ate amontoados com mais de uma centena de pessoas, afinal, não
daria pra se imaginar uma ocupação confortável dentro das repartições estreitas
da prefeitura da cidade...
Naquela mesma tarde compramos vários
alimentos não perecíveis e de uso imediato. Leite, pão, bolachas, margarinas,
doces, sabonetes, barbeadores e papel higiênico, foram uma das providencias que
tomamos. No meu caso, fiquei quase que dependente do restante do grupo de nossa
comunidade ali presente.
Bem, num grupo de moradores, que fora
definido na noite anterior, nos dirigimos ao ponto do ônibus que ficava a uns
800 metros da comunidade, na verdade teríamos de pegar no trevo do Erasmo.
Não demorou muito e embarcamos no
ônibus que acabara de encostar. Estávamos todos em silencio absoluto durante o
trajeto. De fato, não poderíamos estar conversando sobre o assunto,
primeiramente por uma questão de segurança (sic), e segundo, porque o ônibus
estava completamente lotado de pessoas que iriam para o trabalho e para o
centro da cidade.
Chegando ao terminal central nos
dirigimos ate as proximidades da catedral metropolitana, local onde havíamos
combinado encontrar parte do grupo formado por outras comunidades e também
pelos dirigentes da ONG CAPROM.
Após uma rápida conversa, imediatamente
nos dividimos em vários e pequenos grupos de pessoas e caminhamos em direção à
prefeitura da cidade que ficava a vários quarteirões do local.
Nosso grupo ficou encarregado de entrar
pela porta da frente juntamente com outro grupo de moradores de outras comunidades.
Eu cheguei ali com os moradores de nossa
comunidade e imediatamente nos dirigimos ao gabinete do então prefeito
Esperidião Amim.
Eu e o vice-presidente da Associação dos moradores “Dodi”
fomos sentando no chão de forma a impedir o fechamento da porta do gabinete do
prefeito. Os demais moradores foram colocando sacos de pão, pacotes de leite,
frutas e sacolas com alimentos por cima das mesas da secretaria, dos assessores
e do prefeito. Na verdade, nos fomos entrando sem dizer uma única palavra.
O
pessoal ali presente nos perguntava o que queríamos, e nos não respondíamos nada.
Esse comportamento havia sido decidido pelo pela coordenação da ocupação formada
pelo CAPROM e as entidades.
Ficamos sabendo que o prefeito não se
fazia presente. Uma das atendentes repetia exaustivamente: O prefeito não esta,
e, por favor, retirem-se daqui, vocês não podem permanecer aqui sem
autorização...
Os demais integrantes do Movimento dos Sem
Teto foram entrando pela entrada dos fundos, formada pelo estacionamento, e por
outras repartições da prefeitura.
Enfim,
foi um alvoroço inicial que deixou todos atônitos pelo que estava ocorrendo.
Havia funcionários e assessores ligando daqui e dali (sic), apavorados, tentando encontrar alguém
que pudesse controlar aquela situação...
(rascunho)
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